Disponível na HBO Max, "Pacificador" é mais um projeto encabeçado por James Gunn para a DC, depois do sucesso de crítica de "O Esquadrão Suicida". Contendo oito episódios e um personagem principal ainda pouco conhecido do público geral, Gunn conta com o astro John Cena para interpretar o anti-herói.
Roteiro
"Pacificador" segue uma linha cronológica direta que dá continuidade aos acontecidos de "O Esquadrão Suicida". Fica evidente que James Gunn trabalha com a mão livre, com total liberdade, e apesar de trazer fatos do seu filme para a série, ele não essencializa o longa para entendimento da obra.
A estória gira em torno de uma invasão alienígena, chamados de "Borboletas", que querem utilizar da Terra como nova casa. E, na verdade, Gunn nem se preocupa muito com isso, seu interesse está em explorar a dinâmica do grupo, a psique do Pacificador, a maneira como ele interage com o mundo e, por fim, discursar sobre assuntos da sociedade atual.
Um exemplo disso é o Pai do Pacificador, um supremacista branco, que vai penetrar na mente do anti-herói e mexer com seus códigos morais.
Na realidade, muito da série gira e recai sobre os códigos morais do Pacificador, que vai ter, ao longo desses oito episódios, que revisitar suas ideias, seu passado, seu entendimento de si, e fazer novas escolhas. Quase como uma análise psicanalítica.
Além desses nuances, Gunn ainda explora assuntos como racismo, liberdade de expressão, machismo, negação científica, grupos supremacistas e daí por diante. Nessa sopa de temas o recurso mais utilizado, e de forma muito assídua, é o ridículo. Essa característica vai sondar toda a obra do diretor; e logo de cara ele deixa isso claro, a julgar pela abertura da série.
Entende-se aqui o ridículo como parte do discurso da série e maneira pela qual ela se desenvolve. Nesse ponto, o ridículo não tem por objetivo ridicularizar a própria obra, e sim os temas das quais a série se propõem em discutir. É como se Gunn dissesse ao espectador: "Olha que ridículo, estamos em pleno século XXI e ainda existe racismo, negacionismo científico, machismo e assim por diante...". É uma maneira também de ridicularizar a extrema-direita que milita em dizer que a liberdade de expressão - do que eles não sabem distinguir crime e liberdade - está sendo destruída. Nesse ponto, James Gunn é genial.
A série em si, nos dois primeiros episódios, demora para engatilhar. Depois que ela cria forma, é tudo muito natural. Por vezes, uma resolução de roteiro ou outra é pouco convincente, mas esse ar de ridículo ajuda na aceitação. As cenas de ação são boas, mas as do último episódio se destacam de forma singular.
A Química e os Personagens
James Gunn aposta muito na química de seus personagens; tanto para criar empatia com o espectador, quanto para criar momentos cômicos. Esse é outro aspecto muito assertivo. Sem dúvida, o Pacificador não é (ou pelo menos não era), um personagem de grande apelo ao público, mas que, partindo do desenvolvimento dado na série, ele pode alçar novas expectativas.
Uma surpresa agradável é o personagem Vigilante; também desconhecido do público. Gunn toma a liberdade de repaginar o herói, mudando suas motivações e história quanto suas origens nas HQs. Ele acaba recebendo várias posições narrativas ao longo da série, tanto de alívio cômico mais intenso que os demais, porém e, felizmente, contribuindo ativamente para o desenrolar dos episódios. Muito facilmente é associada sua imagem ao Deadpool, e de fato existem relações, mas que, no Vigilante, a originalidade não se perde.
Demais coadjuvantes como Emilia Harcourt, Adebayo e Economos, que integram a equipe de maneira mais íntima, funcionam muito bem. Existe uma preocupação levada a esmo em desenvolver o todo do time quase como uma família, individualmente e, sobretudo, por pares. Com o Pacificador isso acontece sem exceções.
Cada um dos personagens possuí um peso dramático muito particular da qual também são utilizados para falar de questões sociais. Harcourt para falar, pelo menos no começo da série, sobre machismo, Adebayo discorre, sem militar, sobre homossexualidade e até mesmo o Economos, que por vezes pode parecer só o cara de TI, mas que ao final fala sobre aceitação de si perante os preconceitos da sociedade.
Obviamente que nesses ponto o Pacificador é a figura central e concentra o tema mais desenvolvido em paralelo com seu pai e, por consequente, consigo mesmo e os demais integrantes do grupo.
Considerações Finais
A DC, cada vez mais, começa a apresentar um universo muito próprio e um desenvolvimento de seus personagens que distingue do que a Marvel fez e tem feito. Com adaptações originais, enfáticas e de muitas camadas, ela não se limita ao simples entretenimento e condução que surfa na catarse e puro expectativismo. "Pacificador", assim como "Coringa" (2019) e "O Esquadrão Suicida" (2021), mostra como a assinatura do diretor pode contribuir para novas interpretações e enriquecimento do gênero de herói, trazendo temais atuais e de importância social.